CRÔNICA ENGRAÇADA
(Luiz Fernando Veríssimo)
Minha
mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar:
Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas.
Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas.
Nós
também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP.
Eu
levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta.
Perguntei
a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, “em algum
lugar que eu não tenha ido há muito tempo!” ela disse. Então, sugeri a cozinha.
Nós
sempre andamos de mãos dadas…Se eu soltar, ela vai às compras!
Ela
tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo
elétrico. Então, ela disse: “nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar
pra sentar”. Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
Lembrem-se:
o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos
divórcios começam com o casamento.
Eu
me casei com a “senhora certa”. Só não sabia que o primeiro nome dela era
“sempre”.
Já
faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la.
Mas,
tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha.
Ela
perguntou: “O que tem na TV?”
E
eu disse: “Poeira”.
EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA
Dizem que todos os dias você
deve comer uma maçã por causa do ferro. E uma banana pelo potássio. E também
uma laranja pela vitamina C.
Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar
ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar
um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos
bilhões, ajudam a digestão).
Cada dia uma Aspirina,
previne infarto.
Uma taça de vinho tinto
também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso.
Um copo de cerveja, para… não
lembro bem para o que, mas faz bem.
O benefício adicional é que
se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer
fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro
e seis refeições leves diariamente.
E nunca se esqueça de
mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco
horas do dia… E não esqueça de escovar os dentes depois de comer.
Ou seja, você tem que escovar
os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto
tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e
bochechar com Plax.
Melhor, inclusive, ampliar o
banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água,
a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas
por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e
uma. Sobram três, desde que você não pegue trânsito.
As estatísticas comprovam que
assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai
caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê
meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das
amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me
faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado
também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias,
tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para
renovar a sedução. Isso leva tempo – e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo
para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um
bichinho de estimação.
Na minha conta são 29 horas
por dia. A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo
tempo!
Por exemplo, tomar banho frio
com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes.
Chame os amigos junto com os
seus pais.
Beba o vinho, coma a maçã e a
banana junto com a sua mulher… na sua cama.
Ainda bem que somos
crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma
colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da
cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro. E já que vou, levo um
jornal… Tchau!
Viva a vida com bom humor!!!
BRINCADEIRA
Começou como uma brincadeira.
Telefonou para um conhecido e disse:
– Eu sei de tudo.
– Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o
outro disse:
– Como é que você soube?
– Não interessa. Sei de tudo.
– Me faz um favor. Não
espalha.
– Vou pensar.
– Por amor de Deus.
– Está bem. Mas olhe lá,
hein?
Descobriu que tinha poder
sobre as pessoas.
– Sei de tudo.
– Co- como?
– Sei de tudo.
– Tudo o quê?
– Você sabe.
– Mas é impossível. Como é
que você descobriu?
A reação das pessoas variava.
Algumas perguntavam em seguida:
– Alguém mais sabe?
Outras se tornavam
agressivas:
– Está bem, você sabe. E daí?
– Daí nada. Só queria que
você soubesse que eu sei.
– Se você contar para alguém,
eu…
– Depende de você.
– De mim, como?
– Se você andar na linha, eu
não conto.
– Certo.
Uma vez, parecia ter encontrado
um inocente.
– Eu sei de tudo.
– Tudo o quê?
– Você sabe.
– Não sei. O que é que você
sabe?
– Não se faz de inocente.
– Mas eu realmente não sei.
– Vem com essa.
– Você não sabe de nada.
– Ah, quer dizer que existe
alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
– Não existe nada.
– Olha que eu vou espalhar…
– Pode espalhar que é
mentira.
– Como é que você sabe o que
eu vou espalhar?
– Qualquer coisa que você
espalhar será mentira.
– Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um
telefonema.
– Escute. Estive pensando
melhor. Não espalha nada sobre nada daquilo.
– Aquilo o quê?
– Você sabe.
Passou a ser temido e
respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
– Você contou para alguém?
– Ainda não.
– Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma
reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta
de emprego. O salário era enorme.
– Por que eu? – quis saber.
– A posição é de muita
responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
– Por quê?
– Pela sua descrição.
Subiu na vida. Dele se dizia
que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para falar de ninguém. Além
de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz
misteriosa que disse:
– Sei de tudo.
– Co- como?
– Sei de tudo.
– Tudo o quê?
– Você sabe.
Resolveu desaparecer.
Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino.
Investigara. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia
remota. Os vizinhos contam que a voz que uma noite vieram muitos carros e
cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os
vizinhos contam que mais se ouvia era a dele, gritando:
– Era brincadeira! Era
brincadeira!
Foi descoberto de manhã,
assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não
têm dúvidas sobre o motivo.
Sabia demais.
APRENDA A CHAMAR A POLÍCIA
Eu tenho o sono muito leve, e
numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de
casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá
de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro. Como minha casa
era muito segura, com grades nas janelas e trancas internas nas portas, não
fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,
espiando tranqüilamente.
Liguei baixinho para a
polícia, informei a situação e o meu endereço.
Perguntaram-me se o ladrão
estava armado ou se já estava no interior da casa.
Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível.
Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível.
Um minuto depois, liguei de
novo e disse com a voz calma:
— Oi, eu liguei há pouco
porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o
ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guardada em casa para
estas situações. O tiro fez um estrago danado no cara!
Passados menos de três
minutos, estavam na minha rua cinco carros da polícia, um helicóptero, uma
unidade do resgate , uma equipe de TV e a turma dos direitos humanos, que não
perderiam isso por nada neste mundo.
Eles prenderam o ladrão em
flagrante, que ficava olhando tudo com cara de assombrado. Talvez ele estivesse
pensando que aquela era a casa do Comandante da Polícia.
No meio do tumulto, um tenente
se aproximou de mim e disse:
— Pensei que tivesse dito que
tinha matado o ladrão.
Eu respondi:
— Pensei que tivesse dito que
não havia ninguém disponível.
TEXTO BÔNUS: A ALIANÇA
Esta é uma história exemplar,
só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe
das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a
situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem
sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe
média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro.
Ele estava voltando para casa
como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos
seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino
em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas
surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu.
Com dificuldade ele encostou
o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos
grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o
macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria,
resignação e reticências… Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro,
trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança
escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a
aliança do asfalto, mas sem querer a chutou.
A aliança bateu na roda de um
carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus
olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde,
entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a
mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da
mulher antes de ela fazê-las.
— Você não sabe o que me
aconteceu!
— O quê?
— Uma coisa incrível.
— O quê?
— Contando ninguém acredita.
— Conta!
— Você não nota nada de
diferente em mim? Não está faltando nada?
— Não.
— Olhe.
E ele mostraria o dedo da
aliança, sem a aliança.
— O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo,
exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute
involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
— Que coisa – diria a mulher,
calmamente.
— Não é difícil de acreditar?
— Não. É perfeitamente
possível.
— Pois é. Eu…
— SEU CRETINO!
— Meu bem…
— Está me achando com cara de
boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança.
Você tirou do dedo para
namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda
tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
— Mas, meu bem…
— Eu sei onde está essa
aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma
banheira redonda. Seu sem-vergonha!
E ela sairia de casa, com as
crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por
que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
— Que fim levou a sua
aliança? E ele disse:
— Tirei para namorar. Para
fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você
quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois
correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse
que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com
bom-senso, a venceriam.
— O mais importante é que
você não mentiu pra mim.
E foi tratar do jantar.